Logística Reversa: empresas correm para se adequar sob risco de multa a prisão de executivos
Empresas brasileiras colocam em pé os planos para reintroduzir materiais pós-consumo em novos ciclos produtivos. A iniciativa faz parte da narrativa ESG que, se for ignorada, pode render multas e até prisão de empresários e executivos.
Hoje já não é novidade ir a supermercados, farmácias, lojas de eletroeletrônicos e ali esbarrar com urnas para descarte de recicláveis. Vidros, plásticos, papelões… Essa nova preocupação dos varejistas está sendo impulsionada pelas indústrias que, por sua vez, estão se movimentando por força de lei. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) tornou o setor industrial o responsável por fazer a logística reversa. Em outras palavras, precisam coletar embalagens usadas após o consumo em volumes estabelecidos em acordos setoriais por tipo de matéria-prima e reinseri-las em novos ciclos produtivos. Quem não estiver em conformidade, além de prejuízos reputacionais, responde civil, criminal e administrativamente. “O mecanismo é eficiente porque permite que a economia circular funcione”, disse Jessica Doumit, relações institucionais e jurídico da Eureciclo (a empresa grafa tudo em minúsculas), certificadora de logística reversa. Agora, quem enxergar na agenda uma oportunidade de negócio pode entrar em um mercado que movimentou globalmente US$ 563,2 bilhões em 2021.
A estimativa faz parte do estudo Mercado de Logística Reversa: Tendências Globais da Indústria, Participação, Tamanho, Crescimento, Oportunidade e Previsão 2022-2027, realizado pela ResearchAndMarkets.com. Segundo o documento, a expectativa é que o setor cresça a US$ 812,6 bilhões até 2027. No texto, a explicação: “A rápida industrialização e o desenvolvimento das indústrias manufatureiras em economias emergentes estão contribuindo para o crescimento do mercado.”
No Brasil, a evolução teve uma forcinha do poder de punição do Estado que estabeleceu na PNRS que a empresa que não realizar a logística reversa pode ser multada em até R$ 50 mil; ter os sócios detidos por até três anos; e ser obrigada a indenizar a coletividade por danos materiais e morais. Entra nessa conta também a força reputacional que o assunto tem junto aos consumidores e investidores. A movimentação das empresas para rumo à conformidade está intensa.
Economia Circular
Em uma das iniciativas mais ousadas, a Klabin e o Grupo Heineken estão criando o primeiro território 100% circular em embalagens do País. Telêmaco Borba, cidade de 80 mil habitantes no interior do Paraná, que reciclava apenas 11,7% do lixo, foi escolhida como piloto para o projeto Território 100% Circular em Embalagens. Outras empresas como o Hub Incríveis, rede que tem o objetivo de reinventar o uso de embalagens, e o ViraSer, programa de logística reversa, completam o ecossistema. Para a gerente de Sustentabilidade do Grupo Heineken, Ornella Vilardo, a junção de diversos atores é essencial para a construção da infraestrutura da economia circular. “Somente juntos será possível garantir os impactos positivos que almejamos de ponta a ponta na cadeia de embalagens.”
Com a iniciativa, as empresas querem solucionar o grave problema que são os baixos índices de reciclagem de papel e de vidro. No Brasil, apenas 37% do papel produzido vai para a reciclagem. Para o vidro, ainda que seja 100% reciclável, o problema é o peso, o preço e o custo. Catadores recebem R$ 0,20 por quilo coletado. O pagamento pelo quilo das latinhas de alumínio chega a R$ 10. Já para a indústria, como a base do produto é areia, é mais barato recorrer ao material virgem, que hoje representa 60% ou mais na composição de uma nova embalagem, do que ao vidro reciclado. A taxa de circularidade do material não chega a 50%.
Outro material que enfrenta obstáculos é o plástico. Tido como grande vilão do meio ambiente pela demora em sua decomposição — estimada em 400 a 500 anos —, a matéria-prima usada (Rplástico) está em falta. Para Cesar Dib, presidente da Lindoya Verão, a demanda que hoje vem de diversas indústrias, de materiais de construção à moda, explica a escassez. “Há uma corrida acelerada das empresas para aumentar o percentual de reciclados nos seus produtos e o sistema de coleta e reciclagem do Brasil não consegue atender a todos”, afirmou Dib. A consequência é o aumento do preço. A resina reciclada chegou a custar 20% a mais do que a virgem durante a pandemia. Com cerca de 20% de Rplástico na composição das suas embalagens, a Lindoya Verão quer aumentar a participação para próximo de 100% até 2025. A empresa prepara para muito em breve o lançamento de águas em latinhas de alumínio.
Diante do cenário colocado pelo CEO da Lindoya Verão, dá para imaginar o desafio de empresas que trabalham com embalagens de diversos materiais. Caso da Coca-Cola que hoje usa ao menos seis tipos: latas de alumínio, plásticos retornável e reciclado, tetrapack, vidro e papelão. Tendo a economia circular como prioridade em sua estratégia ESG, a companhia se aliou a 17 outras no Reciclar Brasil. A iniciativa apoia 22 cooperativas, 135 recicladoras e coleta de 106 mil a 120 mil toneladas de recicláveis por ano. Mas com quatro grandes metas atreladas a bônus dos executivos — entre elas, coletar e reciclar 100% das embalagens que envia ao mercado, a Coca-Cola precisou criar ações proprietárias.
Assim surgiram o SustentaPET e o Recicla Solar, focado na coleta de garrafas PET. A estratégia, disse Rodrigo Brito, gerente de Sustentabilidade do Cone Sul para a América Latina, foi necessária devido à proporcionalidade do tipo de embalagem enviada ao consumo. “Não adianta vender milhões de garrafas, mas coletar mais latas de alumínio.” O Recicla Solar, lançado na Bahia, no Ceará e em Pernambuco em 2021, coletou e reciclou 1, 2 mil toneladas de PET em seus primeiros seis meses de operação e tem a meta de coletar 7 mil toneladas neste ano. O SustentaPET, que acontece em São Paulo, na região Sul e em Minas Gerais, coletou e reciclou 28 mil toneladas apenas em 2021, mais do que o dobro de 2020 (12 mil).
Mesmo com tantas iniciativas, das 80 milhões tons de resíduos coletados em 2020, somente 3% foram recicladas. Mas o índice depende do material. Em latas, a reciclagem ultrapassa 97%. Para Estevão Braga, gerente de Sustentabilidade da Ball, o sucesso se deve ao fato de o produto ser 100% reciclável e de remunerar bem o catador. “A lata é de longe o material que mais distribui renda na cadeia. É o ouro da reciclagem”. Já o cartonado “tem reciclagem mais complexa, pois mistura cola, papelão e alumínio”. Isso não impediu o aumento do seu índice de 31% em 2019 para 42% em 2020. Pela dor ou por responsabilidade, o Brasil avança na logística reversa e o planeta agradece.
Fonte: Isto é
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