Reciclagem vai ganhar impulso com regulamentação, diz ministro

Depois de mais de uma década em hibernação, a política de logística reversa, que visa a reciclagem de embalagens e outros materiais, começa a sair do papel. No último dia 13, foi regulamentado o decreto 10.936, da lei 12.305, de 2010, da política nacional de resíduos sólidos. Para o país, pode representar um passo importante em aspectos relativos à gestão de material normalmente destinado aos lixões, à redução de gases poluentes e o aproveitamento de resíduos. Em entrevista à EXAME, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, discute o impacto da legislação e o desafio — agora renovado, com o convite feito ao país para integrar a OCDE e a lição de casa que teremos na esfera ambiental — em reduzir o desmatamento. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual é a importância da regulamentação da política nacional dos resíduos sólidos, no dia 22 de janeiro, e o que muda agora?

A política de resíduos sólidos e reciclagem não havia ainda se tornado realidade. O processo para as empresas e os demais elos da cadeia era burocrático, difícil. Ninguém sabia qual era sua responsabilidade. Criamos uma espécie de marco legal dos resíduos sólidos. O decreto dá a responsabilidade de cada um, de forma clara, simplifica e desburocratiza a coleta e reciclagem de lixo. Tudo isso torna o setor mais atrativo à iniciativa privada.

As empresas tinham dificuldade em fazer a logística reversa de uma série de materiais em razão da falta de regulamentação?

Exatamente. Falando em iniciativa privada, estamos preparando o lançamento de um crédito de reciclagem que deve sair logo.

Como será formatado esse programa?

As fábricas farão leilões para retornar as embalagens delas. Vai ter um sistema para que quando você retornar uma embalagem, terá um crédito. Deverá ser um valor ao redor de R$ 200 para os coletores de resíduos, pago pelas empresas. As empresas têm hoje determinadas obrigações de reciclagem.

Então os leilões serão direcionados aos catadores?

O leilão será feito pelas indústrias que darão recursos para os catadores buscarem as embalagens. Cooperativas e microempresas vão poder participar. Não poderão ser pessoas físicas porque precisa emitir nota fiscal. São mais ou menos 300 mil, 400 mil catadores que deverão ser transformados em coletores de resíduos. Essas pessoas terão uma renda extra a partir do momento em que ficarem encarregadas de ir até determinado local para buscar um tipo de material. A ideia é que o resíduo que iria para o lixo ou um aterro comece a ter valor econômico. O ministro Paulo Guedes ajudou muito a desenhar esse programa.

E não vai precisar ter uma auditoria dos leilões e dos créditos?

Sim, mas isso cabe às empresas. Da nossa parte, por meio da política de resíduos sólidos fica instituído que a empresa precisa providenciar a reciclagem de embalagens, com um volume determinado de embalagens por ano. A falta de braço para fazer isso fica resolvida com o programa de leilões, que habilita e organiza os catadores a fazer parte desse processo, coletando de uma outra forma. É um novo modelo. Os catadores poderão, por exemplo, passar em condomínios em determinados dias e horários para recolher o material descartado.

A indústria costuma se queixar da falta de mecanismos mais bem estruturados para a cadeia de reciclagem, não? O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Não é verdade. Grande parte das embalagens é retornável. Por exemplo, 94% das embalagens de defensivos agrícolas se encaixam nessa categoria. O consumidor normal, no entanto, não faz isso. A ideia do novo programa é tornar o consumidor comum mais responsável por aquilo que ele adquire e descarta.

Mas como o consumidor vai ser incentivado a fazer isso?

Campanha de educação. Quando eu consumo um colchão ou uma geladeira e precisar descartar, como vou fazer isso? Precisamos nos preocupar com isso.

E sobre outras questões, como a necessidade de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, como o metano?

Teremos um programa para redução de emissão do metano. Chama Metano Zero.

E como vai funcionar? Os lixões emitem metano, não?

O programa ainda não está pronto, estamos vendo ainda alguns detalhes.

Mas o senhor pode explicar um pouco melhor?

Posso dizer que o potencial de emissões de resíduos orgânicos de aves, suínos e alimentos em geral no Brasil, depositados em lixões, é bastante alto. É muita matéria orgânica reunida. Vamos lançar um programa específico para resíduo rural. Vamos transformar granjas de aves e suínos em postos de energia limpa.

Como isso será feito?

Colocando biodigestores nas propriedades rurais que vão usar a biomassa produzida. O gás oriundo desse processo pode alimentar, por exemplo, os motores de tratores e caminhões. Já existe trator a gás. E o gás produzido do metano custa menos de um terço do valor do gás natural. Esse programa deve ser lançado em fevereiro. Essa ideia surgiu durante a COP26, em Glasgow. Fizemos um acordo com o John Kerry para reduzir as emissões e dentro da política de resíduos sólidos temos a oportunidade de fazer isso. Precisamos resolver a questão dos resíduos orgânicos. Estudando o marco legal de resíduos, entendemos que havia soluções possíveis para os orgânicos.

O Brasil foi convidado para entrar na OCDE e teremos uma séria de etapas a cumprir em relação a políticas de meio ambiente. Como o senhor vê essa questão?

Tivemos uma reunião com a OCDE antes da Conferência do Clima, no ano passado. Todos os países têm desafios, inclusive os que estão na OCDE. Há diversos tipos de desafios climáticos, inclusive poluição de rios, enchentes, quedas de barrancos, que todos países têm. Estamos em um processo de entrar na OCDE e o clima é um desafio para nós e outros países, mas será superado. Com incentivos como a regulamentação de política de resíduos sólidos, deverá ser proporcionado um estímulo a mais para a economia verde. E o mercado de carbono será a grande solução. Esse programa de crédito para catadores se insere nesse contexto.

A questão da Amazônia é um desafio, não? Como o ministério está tratando o problema do crime organizado na região e o desmatamento?

A Polícia Federal tem feito diversas operações. Deverá ser desenhada uma operação especial, Guardiões do Bioma, com o nosso apoio. O crime organizado sem dúvida é um tema.

Como esse programa deverá ser estruturado?

Deverão ser colocadas dez bases fixas na Amazônia.

Mas não é pouco?

Nunca foram colocadas dez bases fixas da Polícia Federal no meio da Amazônia, com mais de mil homens. Não estou falando nas capitais, em Belém, Manaus. As bases serão colocadas no meio da floresta, onde acontecem os crimes ambientais. A Defesa vai participar na parte logística. Temos de tomar cuidado para não jogar em cima de um setor da sociedade algo que é uma atividade criminosa.

 

 

Fonte: Exame – 01/02/2022

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